Ser deputado é bom (19 de dezembro de 1957)

Póde parecer despeito ou inveja, mas não é.

Ser deputado é bom e bastante lucrativo, além de trazer incontáveis vantagens para quem usufrui essas qualidades.

O deputado desfruta daquilo que se chama “imunidade parlamentar”, isto é, um privilégio que de certo modo, contraria os próprios postulados do regime democrático, uma vez que situa um separativismo de desigualdade, frente aos demais cidadãos. Deputado vive cercado de “filhotes políticos” que o endeusam e dêle esperam empregos e apaniguacoes. Em troca, conquista esperançosos “cabos eleitorais”, recebe frangos e presentes, principalmente por ocasião das épocas de fins de anos. Desfruta de descontos especiais em muitos hotéis grã-finos. Goza de abatimentos em algumas companhias de transporte e tem “passe livre” em outras.

Ganha, honestamente, verdadeiras fortunas mensais. Isto sem contar-se com as oportunidades imorais que se lhe oferece, para consideráveis “mordidas” e ganhos “por baixo do pano”.

Agora, a própria Assembléia Legislativa de São Paulo, está também “colaborando” para encher os bolsos dos deputados paulistas. As sucessivas sessões extraordinárias dêstes últimos dias, estão propiciando aos ilustres parlamentares, quase o triplo dos ganhos normais. Dias existiram, em que o Palácio 9 de Julho realizou três sessões.

Argutos e curiosos observadores, já se deram ao trabalho de fazer cálculos, para saber quanto ganharão os deputados paulistas, nessas condições, durante o mês em vigência. E chegaram à conclusão de que o ordenado de cada parlamentar ultrapassará a casa dos cem mil cruzeiros!

Outra noite, acompanhávamos, através da irradiação de u’a emissora paulistanas alguns trechos dos trabalhos da Assembléia Legislativa. Para noa fugir à regra, oratórias inúteis, estéreis, em torno de assuntos de somenas importância. E um deputado, da tribuna, crucificava-se sozinho, chorando as mágoas pelo fato de ser deputado. Dizia das esperanças tolas – (concordamos) – que os eleitores depositam nos parlamentares, julgando-os capazes de resolver todos os assuntos, desde a “cavação” de um emprego, até a solvição de encrencas de um contrato de aluguel de casa. Alegava ainda, que no entender dos eleitores, o deputado “não pode falhar” e é obrigado a trabalhar sem descanço para resolver essas coisas, sendo tachado de incapaz, quando tal não acontece.

Ficamos boquiabertos, ante tamanha baboseira e infantilidade. Cremos que exista ainda um regular número de eleitores, que assim pense ou assim venha agindo. No entanto, para ninguém é segredo que a grande maioria dos brasileiros, perdeu por completo a fé nos parlamentares do país. Por culpa dêles próprios, uma vez que é gigantesca a porcentagem que, nos parlamentos, nada mais soube fazer do que politicalha e demagogia. E no caso, não cabe censuras ao povo. Somente aos seus representantes, falando em tese.

O legislador citado, deixou claro que ser deputado hoje em dia é um posto de sacrifício, é uma coisa pouco compensadora, um trabalho extenuante e responsável. Mas o que êle deixou transparecer perfeitamente, foi a convicção de que, no próximo pleito, não conseguirá eleger-se. foi uma espécie de grito de alerta do próprio sub-consciente.

Ser deputado não é ruim como êle declarou. Absolutamente. Ser deputado é bom. E bom mesmo, a ponto de ser a objetivação de todos os políticos de nossos dias, quer sejam novos, quer sejam carcomidos.

É claro que existem exceções. Infelizmente, tão poucas.

Extraído do Correio de Marília de 19 de dezembro de 1957

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