O burro, a égua e o processo (17 de outubro de 1957)

O burro referido no epígrafe dêste artigo, é burro mesmo (substantivo). E teve sob o lombo o peso de um processo-crime, por ter matado seu amo com um coice.

O fato, extraordinário, não ocorreu nos Estados Unidos, onde se verificam, à miude, acontecimentos verdadeiramente esdruxulos. Verificou-se nêste Brasil amado, idolatrado, salve, salve. Foi em Quipapá, pacata cidadezinha pernambucana, que ha pouco esteve nas manchetes dos jornais, em virtude do assassinato do Bispo de Guaranhuns, pelo ex-padre quipapaense, Hosaná Siqueira.

Foi em fins do mês pretérito. O Secretário da Segurança Pública do Estado de Pernambuco, recebeu, do sargento-delegado de polícia de Quipapá, um ofício no qual pedia a instauração de inquérito contra o mencionado animal, pelo fato do mesmo ter morto seu amo, com violentíssimo coice. Alguns dias após, o Secretário da Segurança Pública recebeu novo ofício do mesmo sargento-delegado, esclarecendo, após as introduções funcionais e protocolares, que “quem matou o cidadão Aldemar Soares de Souza não fôra um burro e sim uma égua”. A confusão gerara-se da seguinte fórma: o homem fôra morto com um coice de burro, desferido por uma égua!

Agora, o Escrivão do 2º Ofício do Juizo de Direito da Comarca de Quipapá, subscreveu um ofício que foi remetido ao Secretário de Segurança Pública, apensando o boletim individual que acompanhou as diligências policiais em torno da morte de Aldemar Soares de Souza, vítima que foi de um coice de burro, fato êsse ocorrido no distrito de Pau de Ferro, daquele município.

A notícia em apreço, divulgada por um matutino da Capital bandeirante, conclue dizendo que o processo-crime acaba de ser arquivado, em face de requerimento do promotor público da Comarca de Quipapá.

Em resumo, é éssa a notícia. Se verdadeira ou não, se normal ou exagerada, não sabemos. O fato é que a divulgação nos deu um pouco que pensar. Quiseram processar alguem. Por dois motivos: primeiro, pela calúnia contra ele levantada; segundo, pelo fato da égua assassina ter se valido de um coice dêle (burro), para a pratica do crime. Mas o burro, como todo burro que se preza, nem estrilou. Não procurou defender-se e nem justificar sua inocência. Foi acusado de morte, quando ele, provavelmente é que está sendo morto aos poucos, a custa dos encargos pesados que lhe pesam sob o dorso. É um burro que trabalha p´ra burro.

Agora deverá estar tentando limpar seu nome. Enquanto isso, a égua criminosa continua vivinha e lampeira, cercada de carinho e atenções, como toda boa procriadeira. Nem se abalou.

Incrível coincidência éssa, de fundo moral: fatos não raros entre humanos, repetem-se agora entre os animais!

Extraído do Correio de Marília de 17 de outubro de 1957

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