“Da discussão nasce a luz” (3 de julho de 1957)

O adágio que nos serve de epígrafe, aplicou-se inteiramente e com excelentes resultados, no plenário da Câmara Municipal, por ocasião da sessão extraordinária da última segunda-feira.

O legislativo discutiu e votou o projeto de lei n. 900, de autoria do Executivo, abrindo crédito especial de um milhão de cruzeiros, destinado a ocorrer às despesas de locação do imóvel destinado à instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de nossa cidade.

Antes da abertura dos trabalhos, um clima de dúvidas pairou sôbre a Câmara, dando a impressão de que num tudo “estava côr de rosa”. Verificamos mesmo uma certa inquietação que chegou a pairar sôbre muita gente – vereadores ou não. O assunto, de vital importância para todos os munícipes, aparentava uma “peninha”. Isto porque, um dos membros da Comissão de Justiça, o esforçado dr. Durval Sproesser, em seu parecer profundamente justificado, encontrara um “que” de ilegalidade da aplicação da referida ante-lei, em face a um dispositivo da Lei do Inquilinato vigente.

Realmente, bem justificou o ilustre edil o seu pensamento, argumentando-o com a sua perícia de causídico estudioso, tendo, no final, uma atitude bastante simpática e que bem repercutiu entre os presentes e entre aquêles que assistiam, na platéia ou em suas casas, através das irradiações radiofônicas: embora defendendo aquêle ponto de vista, ante o dispositivo legal citado que colidia com as finalidades do projeto, o vereador pessepista votaria pró aprovação do mesmo, em consideração ao seu elevado significado.

O dr. Geraldino Furtado de Medeiros, por solicitação do presidente da Comissão de Justiça, dr. Fernando Mauro, defendeu o parecer dêste, em que se faziam citações ao impasse ocasionado pela Lei do Inquilinato, perfeitamente derrubado por outros inúmeros preceitos legais. Gostamos da perícia e conhecimento de causa com que o vereador Geraldino manuseou a questão, explanando com propriedade e abundância de pormenores a questão da Faculdade, o seu significado, as lutas do povo mariliense, através de suas autoridades, suas entidades de classe, estudantes, imprensa e o povo, enfim. O citado edil, entrou depois no mérito jurídico da questão. Referindo-se carinhosamente ao ponto de vista defendido pelo seu colega Durval Sproesser ser, dizendo claramente da não existência de motivos de orgulho ou desprestigio para nenhum dos dois vereadores, vencesse quem vencesse. Alegou que de maneira nehuma seria diminuido o voto vencido, tendo ilustrado seu ponto de vista com inúmeras referências, onde casos idênticos oferecem mais de um pareceres divergentes, embora vasados em têrmos aparentemente corretos. A essa, o orador já deixava transparecer a sua certeza profunda em que seu parecer iria predominar, derrubando, em consequência, o conceito emitido pelo seu colega. De fato, tal aconteceu. A discussão processou-se de maneira bonita, democrática e bem esplanada. O dr. Geraldino, sempre dispensando um respeito e uma consideração admiráveis ao modo de entender do dr. Durval, avocou com clareza e perfeição, com uma facilidade e simplicidade extraordinárias, a questão da interpretação do espírito da lei. Disse que na interpretação das leis reside o maior mérito e a maior dificuldade dos juristas, pois nem sempre o preceito legal exprime aquilo que se lê à primeira vista; se assim fosse – prosseguia o orador –, qualquer pessoa poderia interpretar e aplicar as leis, sem a necessidade de juizes. E aclarou completamente as dúvidas que existiam no plenário, surgidas e melhor arraigadas após o parecer do dr. Durval, com a seguinte explicação: De fato, o dispositivo avocado pelo dr. Sproesser, proibia, taxativamente, a cobrança de alugueis em bases superiores a um mês: mas em condições algumas impedia o recebimento, quando a outra parte – a locadora – se propunha a efetuá-lo antecipadamente. Discorreu ainda mais sôbre a Lei do Inquilinato, cuja aplicação primordial diz respeito aos prédios residenciais, comerciais e industriais, sendo omissa, em parte, as finalidades assistenciais, educacionais ou beneficentes.

Gostamos, sinceramente, da atitude dêsses dois vereadores. O dr. Durval Sproesser, pela atitude demonstrada em votar favoravelmente ao projeto, embora tivesse exarado o parecer contrário, teve uma atitude digna, principalmente concordando posteriormente com as argumentações do dr. Geraldino. Êste, pela palavra sensata e ponderada com que abordou a questão, tendo em primeiro lugar, respeitado o ponto de vista do colega, embora discordando juridicamente.

Imaginem os nossos leitores, se no caso de uma vitória como essa, do dr. Geraldino Meteiros, esclarecendo o plenário sôbre um grande e verdadeiro “impasse”, fôsse o mesmo possuido de um espírito inferior, teria, logicamente, tirado proveito da situação, para desmerecer o parecer de seu companheiro. No entanto, fez o contrário: procurou destacar a atuação do edil pessepista, com muita consideração e dignidade.

Nossos parabéns, portanto, ao dr. Geraldino e também ao dr. Sproesser. Nossos parabéns à Câmara que tão bem soube portar-se diante de um problema de magna importância. Nossas congratulações aos marilienses, por mais essa vitória.

Êsse fato, para os que sabem refletir, é bem um exemplo dignificante da edilidade mariliense. Casos como êsse, em nosso entender, são vasados de todo o intrínseco espírito de democracia.

Extraído do Correio de Marília de 3 de julho de 1957

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O jogo do bicho (26 de outubro de 1974)

O Climático Hotel (18 de janeiro de 1957)

“Sete Dedos”, o Evangelizador (8 de agosto de 1958)