O herdeiro de Lollobrígida (26 de junho de 1957)

Na segunda quinzena do próximo mês, deverá ocorrer a chegada da “cegonha” ao lar do casal Milko Stofic-Gina Lollobrígida. Jornais de diversas partes do globo, ao terem ciência da “novidade”, mandaram à Ischia, em Roma, seus mais sagazes reporteres, para entrevistarem a famosa “estrela” e reportar o acontecimento.

Parece o fim do mundo, o fato de que a famosa “Lollô” vai ser mãe. Pelo jeito, dá até a impressão de que será a primeira vez na história, que u’a mulher vai dar à luz. De todos os quadrantes do mundo, chegam diariamente à bela mansão da fenomenal artista, os mais ricos e variados presentes, destinados à fatura mãe e ao rebento riquíssimo, mesmo antes de abrir os olhos para o mundo.

Casualmente, liamos ontem, num dos jornais da Capital, num longo radiograma procedente de Ischia, uma reportagem acerca do “mundão” de riquíssimos mimos com que o futuro herdeiro de Milko e Gina está sendo brindado. Dentro da exagerada relação de presentes consta o de um industrial paulistano, que enviou à gestante um berço de alto valor comercial, todo de marfim, com rendas venezianas importadas, classificado como o melhor e o mais caro de todos os berços remetidos ao futuro filho de “Lollô”. O presente foi remetido por via aérea, acompanhado de um bilhete assim redigido: “À mais bela mulher do mundo, o mais modesto dos berços”.

Modesto, em realidade, foi êsse industrial, conforme destaca o conteúdo do despacho radiotelegráfico, uma vez que se trata de peça de alto valôr.

Ao lermos o fato, ficamos pensando em como se exagera sem necessidade entre nós. Não que o casal ou o futuro pimpolho não mereçam “honras de estilo”; mas pensando sobre o assunto, procuramos interpretar se êsse mesmo industrial, ao envés de dispender o valor dêsse utilíssimo objeto, para o futuro herdeiro de Milko Stofic, daria tambem uns outros tantos berços para tantas e tantas criancinhas pobres e necessitadas entre nós.

Quando nasceu o herdeiro da Rainha Elizabeth, aconteceu o mesmo; quem menos precisa, mais recebe. Entre nós, o nascimento de um rebento, quando muito faz com (que) os parentes e amigos levam ao recém-nascido uma latinha de talco, um estojo “Johnson” ou um objeto de lã.

Gostaríamos, efetivamente, de saber se êsse presenteador patrício, teria voltado alguma vez entre nós, as suas vistas para a infância desamparada, se teria levado até a clínica infantil do Hospital do Câncer, às creches e associações assistenciais, presentes de tamanho vulto material. Com todo o respeito que nos merece o fato, bem como o reconhecimento da alegria que tal acontecimento significará para os futuros pais déssa criança, que estando para vir ao mundo já é alvo de tanta propaganda e estima universais, desaprovamos o envio de tão vultuoso mimo, uma vez que entre nós, muito temos que fazer no campo assistencial, principalmente no setor infantil.

Poderá alguem responder-nos que o dinheiro é do homem, o gosto é dele tambem e nada temos com isso. De fato, nada temos com o fato. Acontecimento dêsse jaez, não são da conta de ninguem e sim da própria consciência!

Extraído do Correio de Marília de 26 de junho de 1957

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