A “Rainha dos Pracinhas” (12 de abril de 1957)

A Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, Secção de Vitória, Estado do Espírito Santo, vai eleger a “Rainha dos Pracinhas”. Os ex-combatentes da Fôrça Expedicionária Brasileira, sediados na capital espiritosantense, pretende, com o resultado financeiro dêsse inédito certame entre nós, obter fundos destinados à construção de sua sede própria.

A Philips do Brasil S/A prestigiará o citado concurso, num gesto digno de louvores, principalmente quando os govêrnos se esquecem de voltar suas vistas para a classe dêsses heróis anônimos e desiludidos, apesar da imensa bagagem legislativa de “amparo” aos ex-“pracinhas”, leis bonitas e bem feitas, desgraçadamente não ou mal cumpridas.

Os ex-combatentes de nossos dias, em sua maioria, andam desajustados socialmente, neuróticos, reumáticos, algo envergonhados pelo sagrado dever rumprido. Explica-se facilmente tal proceder. Sempre que bateram às portas dos govêrnos, estas foram fechadas. Apesar do amparo legal. Apesar da “boa vontade” manifestada publicamente por gente de responsabilidade. Apesar de tudo.

Qualquer médico (embora aqui em Marília tenhamos um, declaradamente inimigo dos ex-combatentes), saber que a resistência biológica tem limite. Sabe, por outro lado, que ninguém, que tenha combatido durante nove meses seguidos, sem dormir uma noite continuada, sem estar abrigado sob um teto, lutando contra um inimigo experimentado, enfrentando um clima adverso ao tropical de nosso país, numa situação continuada de “suspense” entre a vida e a morte, com enorme responsabilidade sôbre os ombros, sem esperanças de regresso, tem, forçosamente, que apresentar uma série de desequilíbrio em seu estado geral de saúde. É por isso que muitas vezes, ouvimos referências contundentes e anti-patrióticos, por parte de maus brasileiros, de que todo pracinha é “meio louco”.

Hoje em dia, a própria classe é desunida, tamanha é a decepção sofrida; hoje em dia, nenhum pracinha sente orgulho em declinar sua condição de ex-combatente, tantas foram as indiferenças que lhe foram atiradas ao rosto, após o dever cumprido.

Precisou, para os “pracinhas” de Vitória, o prestígio de gente estrangeira, uma vez que as autoridades constituídas relegaram a contribuição daquêles que pagaram ao país a mais alta dívida que êste podia exigir de seus filhos: a dívida do tributo do sangue!

É certo que nem todos os brasileiros são assim. É exato que muita gente sabe compreender as condições psicológicas dos ex-combatentes e dispensa-lhes aquêle reconhecimento agradecido. Infelizmente, entretanto. Há quem reconheça o valor dos ex-combatentes e chore até hoje: São as espôsas, as mães, as irmãs e os pais dos pracinhas, que jamais na vida, voltarão a ser aquilo que eram antes do embarque para a Itália. Há ainda as mães que choram o desaparecimento dos filhos que ficaram plantados no Cemitério de Pistoia.

Para muitos govêrnos do Brasil, a condição de ex-combatente, o amparo necessário a êsses desgraçados (êsse é o têrmo certo), o dever pátrio cumprido é relegado, frente a um pedido inteiresseiro, com um emprego público a um “filhote político” ou a u’a moça de corpo escultural e pernas bem torneadas, ou ainda, principalmente, sendo amante de algum “coronel”, algum deputado, prefeito ou outra pessoa de idênticas “possibilidades”.

Em Marília temos casos lastimáveis de “pracinhas”. E “pracinhas” que foram verdadeiros heróis, não soldados de retaguarda. Em todo o Brasil isso ocorre. Os jornais já noticiam, repetidas vezes, suicídios de ex-combatentes, divulgando cartas que são verdadeiros libelos contra o descaso que se dispensa à classe. No Rio de Janeiro, em plena Praça Carioca, o redator dessas linhas presenciou “pracinhas” mendigando, exibindo seus diplomas e suas medalhas conquistados com o próprio sangue e com a própria saúde física e moral.

Em Vitória, os “pracinhas” vão procurar sorrir para o público espiritosantense, pedindo dinheiro representado em votos, elegendo a “Rainha dos Pracinhas”, tentando construir sua sede própria. Embora em seus corações exista u’a mágoa inapagável pelo motivo dêsse verdadeiro desprezo para com aquêles que nada mais fizeram, do que cumprir o dever pátrio.

Nossos votos para que as intenções dos “pracinhas” de Vitória sejam bem compreendidas e bem sucedidas.

Extraído do Correio de Marília de 12 de abril de 1957

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