O barril de pólvora do Canal de Suez (07 de agosto de 1956)

(O Canal de Suez, em imagem recente feita pela Nasa)


Abrimos a carta, de letra bem feminina, redonda e harmoniosa, vasada em bom português, muito fluente e amena. De início, abundancia de gentilezas aos nossos “estupendos artigos, que se tornam agradáveis de ler, pela simplicidade com que são feitos, pela ponderação e critério com que são abordados”. Depois, a “sinuca” cá para o redator destas linhas: “dê sua opinião sobre as brigas que se verificam em torno do Canal de Suez.”

Bôa amiga, confessamos que não somos leigos e sim “analfabetos” em questões de política – especialmente a política internacional. Com referencias às “brigas” sobre a causa do aludido canal, então, pouco sabemos. Pouco sabemos, porque pouco nos interessamos, até aqui, pelo caso em tela. No entanto, o que parece certo, tão matemático como dois e dois são quatro, é que o Canal de Suez é um barril de pólvora e o estopim já está aceso. Ao par do comércio indiscutível que a Inglaterra procura fazer do caso, vemos – em nosso fraquíssimo entender – que é o país que tem mais razões sobre o assunto. Numa comparação grosseira, diríamos que o direito dos britânicos, nesse particular, poderia ser perfeitamente enquadrado naquele dispositivo legal que os juristas chamam de “uso-capião”, isto é, ter direitos a preterir os direitos de outros sobre uma propriedade, após o uso, conservação e direção da mesma, por um determinado número de anos seguidos.

Não estamos, repetimos, bem ao par da questão. No entanto, limos ha anos, não sabemos onde, alguma coisa a respeito da “história” do Canal de Suez. E ficamos inteirados na ocasião, de que a própria origem do famoso canal, que, a rigor, presta serviços inestimáveis à navegação internacional, é, desde o início, uma organização desorganizada. Se a memória não nos falha e se o que limos foi verdadeiro, o “negócio” resume-se, mais ou menos, no seguinte: Três países foram os timoneiros da construção do canal e sua devida exploração, comercialmente falando. Inglaterra foi um, França outro e o terceiro não recordamos. Os dois últimos países se bem que tivessem começado os serviços, abandonaram a empreitada. A Inglaterra ficou sozinha e levou a cabo a luta, que é aquilo que hoje em dia se conhece. E tratou de explorar a questão. Pensando bem, se a “coisa” é mesmo assim, conforme estamos referindo, a razão está com os britânicos, embora os mesmos estejam sendo ditadores naquela área. Porisso, não vemos motivos para dar-se razões aos outros países, que, agora, pretendem escorraçar os ingleses de seu posto, para “papar” o “filé mignon” já preparado.

Se fomos claros em nossas exposições, a nossa missivista que formule, a seguir, as demais conclusões. Se não o fomos, ou se cometemos algum erro, as nossas excusas.

Uma coisa, no entanto, é certa: o Canal de Suez poderá transformar-se, com o decorrer dos anos, naquilo que a Coréia, a China Comunista e o Japão não conseguiram: a terceira guerra mundial. Lamentavelmente.

Extraído do Correio de Marília de 07 de agosto de 1956

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