O carnaval e seus “sucessos” (21 de janeiro de 1956)

Aproximam-se os dias que traduzem folia, liberdade e loucura para muita gente – o carnaval.

É a ocasião em que a maioria dos brasileiros se diverte, cada qual à sua maneira. O rico, gastando fortunas em fantasias de luxo, caríssimas e quase sempre exóticas; bebendo “whisky” e praticando, às vezes, desfaçatezas sem par, que, em outras ocasiões viriam ridicularizá-lo. O pobre, contentando-se em ver o carnaval de rua; os que não são ricos e pretendem se divertir nas folias de Momo, o fazem de um modo bem simples: com uma cuíca ou um tamborim, uma camisa listrada... e muita cachaça.

O carnaval é a festa do povo, por excelência. Muita gente participa dessa alegria, com o fim de divertir-se. Outros, sob o pretexto de carnaval, usam e abusam de liberdades inenarráveis. Há, todavia, os que “brincam o carnaval” santa e inocentemente: as crianças.

Bem, nosso assunto não é propriamente o carnaval e sim as músicas carnavalescas. Melhor dizendo, as letras das músicas carnavalescas.

Já perceberam os leitores, quanta burrica encerra a maioria dos “sucessos” em música de carnaval? Quanta ilógica, quanto de sem graça? Quanta ausência de estilo?

Uma firma comercial de São Paulo, andou distribuindo por aí, um dêsses “sucessos” para o carnaval. Contém dois versos. O primeiro (que é menos estúpido), é o seguinte:

“Quando ela lhe beijava
E lhe dava um abraço
Acredite no que digo
Meu amigo
Você bancava o palhaço”

E essa “obra prima” não foi executada por um único cérebro. Foram precisos três (!) “artistas” juntos, para realizar tamanha estupidez (O. Monello, J. Lopes e W. Mello)!

Quando lemos o referido “sucesso” cujo nome já é uma palhaçada (trata-se do samba carnavalesco intitulado “Bancando o Palhaço”) ficamos estarrecidos. Como está deteriorada a letra musical brasileira! Como se escrevem banalidades, sob a sombra da música nacional!

Quem já teve contato com a letra de um “Hino Nacional”, de um “Hino à Bandeira”, de uma “Canção do Expedicionário” e muitas outras composições que enriquecem o campo musical brasileiro, por certo há de ficar pasmado, lendo o verso acima. Quem conhece as belezas do norte, cantadas por Dorival Caimy, quem ouve musicadas as letras de Antônio Maria, Zé da Zilda, Ary Barroso, Lupicínio Rodrigues, Zequinha de Abreu, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Ghiaroni, Hervê Cordovil, Vicente Celestino, Noel Rosa, Leonel Azevedo, J. Cascata, Haroldo Barbosa e outras glorias da nossa literatura musical, presente e passada, deve ficar pensando coisas “agradáveis” a respeito dos “compositores” de músicas carnavalescas.

Algum leitor há de replicar, certamente, que letra de música de carnaval “é assim mesmo”. E nós adiantaremos que não. Mesmo uma letra de carnaval deveria ter alguma coisa de dignidade artística.

O que pensaria essa glória da música brasileira que é Carlos Gomes, se vivo fôra, a respeito de “sucessos” musicais como o que estamos citando?

Extraído do Correio de Marília de 21 de janeiro de 1956

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